terça-feira, 16 de novembro de 2010

Pesadelo

                    Jhony estava deitado em sua cama com a cabeça a mil, olhava em volta do quarto escuro expectante, não demoraria muito para que começasse seu suplicio noturno, já estava até se acostumando com a sua nova rotina, o que era até macabro, pois nenhum ser normal poderia se acostumar com aquilo. Cada noite estava superando a outra, uma era mais apavorante que a outra, e quando ele achava que já havia acontecido de tudo, a noite seguinte o provava o quanto estava enganado.Não adiantou lutar tanto para não adormecer, quando menos esperava, estava em profunda letargia. Inconscientemente pensou em virar de barriga pra baixo para poder se proteger, pois o pesadelo só vinha quando estava de barriga pra cima, então deveria haver alguma ligação nesse fato. Algum tempo depois, talvez meia hora de sono, tentou mexer os braços, mas não conseguiu, havia alguma coisa de errado acontecendo, começou a ficar preocupado, o coração disparou em uma batida louca e angustiante, tentou com todas as forças se mover, mas havia uma força invisível prendendo-o, podia sentir a energia negativa que emanava no ambiente, estava sufocando. Queria gritar, mas o grito não saia, estava preso dentro do peito, por um tempo chegou a achar que a única coisa que estava funcionando corretamente em seu corpo era seu cérebro, tinha plena consciência de tudo que estava se passando em volta, mas não conseguia comandá-lo.
             Quando achou que o pesadelo estava acabando, descobria que ele apenas havia começado. Começou a sentir um calor insuportável, uma luz vermelha surgiu no meio do aposento. Sons cada vez mais audíveis começaram a ser ouvido, havia gritos de dor, uma dor que o afetava como se fosse ele que estivesse sofrendo flagelos, gemidos horripilantes o faziam estremecer, e sons de correntes pesadas sendo arrastadas em sua direção o deixaram apavorado. Junto com as correntes, Jhony pode distinguir também a figura de um homem ou o que quer que ele fosse vindo ao seu encontro, saia de dentro da luz quente que surgira, e o torturava com os gritos e gemidos de sofrimento. Tudo que conseguia era gemer e se debater prisioneiro e paralisado. O ser estava escondido sob um manto negro, apenas suas formas físicas e suas mãos tétricas podiam ser vistas, havia correntes em seus braços e pés limitando seus passos, arrastava uma bola gigante de ferro em um dos tornozelos, e apontava sua mão direita descarnada para ele. O coração de jhony parecia que ia explodir, seu corpo pingava de suor, dessa vez tinha certeza que chegara seu fim. O visitante soltou uma gargalhada aterrorizante ao vê-lo apavorado, o garoto sabia o quanto isso o deixava feliz, mas não conseguia se controlar, apenas implorou que aquilo o deixasse em paz, pediu que parasse, não aguentava mais, mas aquela conversa telepática não adiantou.
               Em resposta, o ser maligno apontou a mão para ele e o levantou no ar lentamente, quando já estava suspenso a um metro de altura acima da cama, soltou e o deixou desabar como uma base de concreto no colchão. O baque surdo ecoou pela casa adormecida acordando todos os habitantes alheios ao espetáculo. Quando sentiu o choque do corpo na base de madeira, sentiu também que a corrente invisível que os prendia havia se quebrado, então pôde usar todas as suas forças para gritar por socorro. Pego de surpresa, o demônio recuou, jhony pode vê-lo sendo sugado pelo clarão e sumindo deixando atrás de si apenas a escuridão do quarto. Estava livre por essa noite, mas apenas por essa noite. Não via a hora desses malditos quarenta dias amaldiçoados acabarem esse ano. Não queria pensar no ano seguinte, chegava por hoje.



sexta-feira, 2 de abril de 2010

A Moça Da Encruzilhada

A rua onde moravámos era cortada por outra, formando uma espécie de cruz torta. E essa cruz se localizava a mais ou menos sessenta metros de nossa casa. Exatamente nessa esquina ocorreu um acidente com uma vítima, uma moça feirante que caiu de cima de um caminhão pau-de-arara e quebrou o pescoço, vindo a falecer no local. O episódio não teria passado de uma triste tragédia se algum tempo depois ele não viesse a tona com direito a pavorosas passagens macabras.
Tudo começou na quaresma do ano seguinte, quando alguns vizinhos começaram a narrar que estavam acontecendo coisas estranhas naquele local. As histórias se espalharam e ganharam cada vez mais ênfase, apavorando adultos e crianças da região. Todos ficaram tão assustados que mudaram totalmente seus hábitos de vida. Estudantes passaram a sairem da escola direto pra casa, nada de ficarem até a meia noite na rua com os amigos, os moradores de lá pararam de ficar na porta até mais tarde e as crianças corriam para as camas dos pais apavorados.
Um desses relatos foi o de uma vizinha que disse estar esperando o marido chegar de viagem, muito preocupada com a demora. Então resolveu esperá-lo no portão, quando viu uma luz naquela direção que lhe chamou a atenção, ela olhou curiosa e viu uma mulher vestida de branco, vindo em sua direção pedindo ajuda, ela parecia sofrer e soltava gemidos de dor. A senhora ficou apavorada e entrou em casa fechando a porta atrás de si, tremendo de medo, mal teve pernas pra correr para a cama e se esconder debaixo das cobertas.
Outro desses relatos e o mais frequente também foi o de passantes "corajosos" que se aventuravam nas ruas até mais tarde acreditando que as histórias não passavam de balela: Eles viram uma mulher vestida em uma mortalha branca andando de quatro no asfalto com a cabeça torta e soltando gemidos horripilantes. Ela fazia o mesmo trajeto toda meia-noite em um ponto específico até sumir mais adiante, isso aconteceu durante as qurenta noites da quaresma pra quem quisesse ver e tivesse coragem, claro.
Muitos foram desafiados a comprovar a veracidade da narração, e muitos desafiaram.
Eu por minha vez não me atrevi a descrença, para o meu próprio bem.

terça-feira, 23 de março de 2010

Curiosas reminiscências

A maior prerrogativa de ter vivido uma infância em um lugar pequeno e esquecido do resto do mundo, para mim não foi somente o fato de poder gozar de toda segurança e liberdade que uma infância interiorana pode proporcionar. Fato que não deixa de ser maravilhoso também. Mas, uma das coisas mais deliciosas pra mim, foi ter a chance de crescer ouvindo as tantas histórias que um povo simples tem pra contar, repletas de crenças insólitas, adornada por uma imaginação febril, mas cuja veracidade seria um insulto duvidar.
Ouvia com o coração disparado as histórias daquela gente do interior, entretanto, minha curiosidade sempre me obrigava a chegar até o final, além de pedir por mais e mais detalhes sempre, amedrontada e fascinada ao mesmo tempo. Um fascínio que mesmo hoje não posso esquecer.
Por coincidência ou por pura razão, os relatos de acontecimentos fantásticos, em sua maioria arrepiantes, tinham ocorrência apenas naqueles quarenta dias que a igreja católica chama de quaresma. Alertados do fato, temíamos esses dias mais que tudo. Eu ainda mais por que era pagã e todos diziam que os pagãos eram o prato preferido das criaturas que tanto davam por falar naquelas épocas. O que o medo e uma imaginação hiper-fértil não faz com uma criança? Por conta disso, abria mão da diversão que me aguardava naquelas noites de verão, para ficar em casa, acreditando-me somente segura abaixo do teto do meu lar.
Hoje eu e minha irmã, companheira minha desse drama infantil, percebemos que aqueles sussurros, muitas vezes distorcidos que chegavam até nós, aqueles relatos, jurados de pé junto que eram verdadeiros, as tantas histórias tão mirabolantes que colecionamos na memória, poderiam virar contos, contos que de agora por diante enfeitarão as paginas deste blog.